Sunday, February 24, 2019

Capítulo 13: Bethesda


“Aquele ponto no céu!? É lá que estamos?!” ‒ exclama Ayizur, estupefata. ‒ “Mas, como é possível?!”
“Este ponto... Aqui...” ‒ murmura Perpetua, com receio de parecer petulante ao corrigir a frase da terráquea.
“Não sei o que me deixa mais impressionado.” ‒ começa Iouria, após ouvir o relato da marciana. “O fato de estarmos em Marte ou saber a história por trás da morte da população de um planeta inteiro.”
“E o que vocês pretendem fazer com nossas famílias, lá na Terra?!” ‒ revolta-se Enā’y, partindo para cima de Perpetua.
“Ela não tem nada a ver com isso, eu já lhe disse!” ‒ intervém Dayad. “Ela é tão vítima disso tudo quanto nós!”
“Desculpem interromper, mas, acho que esta não é a melhor hora nem lugar para vocês discutirem. Temos que achar as outras logo e não fazemos a menor ideia de onde elas estejam.”
“Ayizur tem razão. Essa sua amiga por acaso não sabe onde elas podem estar?” ‒ indaga Iouria.
“Essa minha amiga tem nome, por que não pergunta diretamente a ela?” ‒ retruca Dayad. “Se bem que... na verdade, eu nem sei seu nome.”
“Perpetua. Perpetua Christianson.” ‒ responde a marciana, para o espanto das demais ao ouvir seu impronunciável nome. “Acho que sei onde suas amigas estão, mas tenho duas notícias, uma boa e outra má. Qual vocês querem ouvir primeiro?”
“Diga a má.” ‒ adianta-se Enā’y, com ar de suspeita.
A marciana olha para o grupo e sente um nó na garganta.
“O que foi?” ‒ preocupa-se Dayad.
“Bem... Elas estão no mesmo lugar de onde vocês vieram, Bethesda, do outro lado da colônia. Não será nada fácil chegar lá.”
“Nada que nos surpreenda.” ‒ comenta Iouria.
“E a boa notícia?” ‒ pergunta Ayizur.
“É exatamente lá que se encontra a nave que pode retornar vocês para casa.”
“Então vamos!”

...

‒ O... O que aconteceu?
‒ Encontrei Vossa Santidade em seus aposentos, gravemente ferido.
‒ Perpetua fugiu... não foi?
‒ S... Sim.
‒ Mas, você já a capturou.
Sabendo que mentir é inútil, Simon balança a cabeça, em negação.
Paul se levanta do leito com dificuldade. O médico, chamado às pressas para atendê-lo, se aproxima rápida e cautelosamente.
‒ Vossa Santidade, por favor, retorne a seu leito. Neste momento, é fundamental...
O reverendo ergue o braço em direção ao médico antes mesmo que este possa concluir a frase, contudo, nada acontece.
‒ ...o descanso. Vossa Santidade perdeu muito sangue. Se não agíssemos...
‒ Cale a boca! ‒ grita Paul, frustrado por não dispor do aparelho de choque acoplado a seus braços para eletrocutar aquele que acaba de salvar sua vida. ‒ Eu dou as ordens por aqui!
O médico se cala, enquanto o reverendo toca o local afetado pelo golpe de sua irmã, agora repleto de pontos cobertos por um tecido poroso. Aos poucos sua memória retorna e ele logo se lembra da terráquea arredia.
‒ Estou aqui, Vossa Santidade. ‒ interfere Simon, percebendo que seu mestre está tentando ativar o módulo de leitura de pensamento.
‒ Mas, até isso aquela... ‒ resmunga o reverendo, balançando a cabeça e respirando fundo, ainda sob efeito de medicamentos. ‒ Reforce... o Inferno.
Simon franje a testa, sem saber o que dizer.
‒ Ah, não! Só falta você me dizer que... aquela vagabunda fugiu com os terráqueos e você... não fez nada para impedi-los!
Simon anui, em silêncio.
Paul, em um acesso de raiva, desfere lânguidos golpes em direção a seu servo, que sabe que não pode se mover, do contrário, seu mestre perderá equilíbrio e cairá de seu leito. Frustrado, o reverendo segura no ombro de Simon e se esforça para falar algo, porém uma repentina tosse o impede de retomar o fôlego. Finalmente, o patriarca da colônia balbucia:
‒ Mande Gabriel atrás deles!
Simon morde os próprios lábios, começando a se arrepender de ter salvado o reverendo, ao invés de ter se juntado à irmã dele.
‒ Ele sofreu um pequeno acidente, Vossa Santidade, mas já estamos tratando de colocá-lo de volta em operação.
Os olhos coléricos de Paul acertam o semblante tristonho do servo como se fossem disparados de canhões a laser.
‒ Os terráqueos o abateram... não foi?
Simon anui.
‒ Maldição!!!
O grito do reverendo é tão alto que reverbera pela redoma de vidro da colônia, sendo escutado a centenas de metros dali, por Dayad e seu grupo.
“Más notícias: meu irmão está vivo.” ‒ anuncia Perpetua.
“Impossível!” ‒ assusta-se Dayad.
“Quem é seu irmão?” ‒ pergunta Enā’y, mais desconfiada do que curiosa.
“Um daqueles homens que derrubamos lá atrás!” ‒ intervém Dayad.
“Isso significa que teremos companhia?” ‒ inquieta-se Iouria.
Ayizur ergue a mão, pedindo silêncio.
“Vocês estão ouvindo?”
O grupo apura os ouvidos e, em instantes, ouve um crescente zumbido. Antes que alguém possa dizer algo, as luzes se apagam e todo o setor da colônia onde se localiza o grupo fica às escuras. O zumbido se aproxima cada vez mais e, instintivamente, o grupo tenta se esconder nas portas e cantos dos edifícios mais próximos. A escuridão logo é rasgada por disparos a laser vindos do alto, cujos clarões, por breves instantes, tornam visíveis os contornos do androide Gabriel, cujas asas, antes silenciosas em voo, agora zumbem ruidosamente, tortas, depois do último embate. O grupo revida, disparando ao mesmo tempo de várias direções, sem sucesso. Dotado do último visor noturno e térmico da colônia, o enviado clerical agora se vê diante de presas fáceis.


 ‒ Ayizur! ‒ grita Iouria, após ver o local onde estava sua companheira ser iluminado por um disparo poderoso como um relâmpago.
Sem resposta, o terráqueo dispara na direção do androide, mas é alvejado antes mesmo de entender que seu inimigo já aterrissou. 
“Temos que correr!” ‒ clama Perpetua, que leva um disparo nas costas assim que segue para uma transversal.
Enā’y corre contra o androide, efetuando contínuos disparos, mas este ativa um escudo eletromagnético e revida em seguida, atingindo a terráquea na cabeça.
Dayad, em pânico, vê o escudo de luz que ilumina a sinistra criatura vir em sua direção e sabe que não adianta atirar nem correr. Ela então se finge de morta, ao que Gabriel diminui seus passos. Dayad, de olhos fechados, sente uma tênue luz percorrê-la momentaneamente e, em seguida, ouve um ruído mecânico. Por maior que seja o risco, ela não resiste ao ímpeto de erguer uma de suas pálpebras e então observa o adversário mudar a carga de sua arma. Antes que possa se dar conta, um dardo tranquilizante atinge sua pele e a terráquea imediatamente adormece.

...

Os olhos de Dayad se abrem com dificuldade. Sua cabeça pesa e ela custa a conseguir focar sua visão, até finalmente discernir o que parece se tratar de um par de... nádegas. Ela logo se dá conta de que está em movimento, sendo carregada no ombro de Enā’y.
‒ Parece que ela acordou! ‒ nota Iouria, aproximando-se para se certificar.
‒ Ah, que bom! ‒ exclama Enā’y, colocando a amiga de volta ao chão. ‒ O que houve, Dayad, você desmaiou, do nada!
“Enā’y, você está viva?! Ayizur, Iouria! Mas... onde está Perpetua?” ‒ gesticula Dayad, surpresa e ao mesmo tempo preocupada.
‒ Ali na frente, olhe. ‒ aponta Ayizur.
Perpetua se volta e sorri ao ver que Dayad acordou, mas, seu sorriso logo se desfaz quando “ouve” as palavras da terráquea:
“Seu irmão está vivo!”
“Mas... como?!”
‒ Maldição!!!
O grito reverbera pela redoma da colônia recém tornada metrópole. Um frio desce pela espinha de Dayad, que esperava ter mais tempo para organizar um contra-ataque.
“Falta muito para chegar ao nosso destino?” ‒ pergunta Dayad, visivelmente perturbada.
“Estamos na metade do caminho. Por quê?” ‒ responde Perpetua.
“Corram!!!”
Dayad parte em disparada, seguida por suas companheiras, mesmo sem saber do que estão correndo. Acostumadas a uma gravidade muito maior do que a de Marte, as pernas terráqueas avançam com rapidez monstruosa rumo a Bethesda, visível à distância como uma enorme bolha adjunta à redoma. Dayad olha para trás, para se certificar de que o grupo está unido, quando percebe o vulto de Perpetua, à distância, esforçando-se penosamente para alcançá-la.
“Continuem em frente, não diminuam por nada! Eu já volto!” ‒ avisa a terráquea, dando meia-volta.
Perpetua, machucada e enfraquecida, cai de joelhos no chão, aceitando seu destino como parte mais fraca e vulnerável do grupo do qual ela sequer tinha certeza se integrava. Eis que diminutos pés parecem pousar diante de seus olhos, tais como os de uma fada super-poderosa, cujos braços erguem seu grande e surpreendentemente leve corpo. Por um instante, os narizes das duas moças se tocam e seus olhares se cruzam. Palavras não são necessárias, mesmo porque, o aparelho de leitura de mentes se encontra acoplado às têmporas de Enā’y, que já está longe a se perder de vista. Dayad então toma Perpetua em seus braços e corre atrás do grupo o mais rápido que pode.
I love you... ‒ murmura a marciana.
Dayad sorri, imaginando que Perpetua acabou de agradecê-la em sua língua.
Um zumbido começa a ressoar, tal como se um besouro gigante se aproximasse. À distância, o trio já se encontra no portal de Bethesda, sem conseguir acessá-lo, entretanto. As luzes vão se apagando, tal como se a escuridão almejasse deglutir as duas mulheres. Disparos de laser cortam o breu e só não acertam Dayad porque ela acelera os passos em um desvairado ziguezague. Finalmente as duas se juntam ao trio, que dispara contra o anjo da morte, conseguindo apenas retardar sua ofensiva.
“Você sabe como entrar?” ‒ pergunta Dayad a Perpetua, apontando para o grande e pesado portão,
A marciana anui e entrega o escudo à terráquea, prosseguindo então a tatear em busca do sensor de leitura de mão, na esperança de que este ainda a reconheça e esteja sendo alimentado por uma fonte alternativa de energia.  Uma luz se acende e a porta se abre, ainda que vagarosamente, para alegria de Perpetua. Iouria, o mais próximo, corre para dentro, seguido de Ayizur, que se aproxima de costas enquanto troca tiros com Gabriel. Perpetua, do limiar da porta, dá cobertura às duas terráqueas restantes, quando um disparo acerta o abdômen de Enā’y. Dayad agarra a amiga e, protegendo-a como pode com seu escudo, a arrasta até a porta. Assim que as duas passam, Perpetua entra e tranca o acesso. O grupo finalmente pode recuperar o fôlego, ainda ouvindo os disparos e golpes mecânicos atingirem a pesada porta metálica, do outro lado.
“Como você sabia o que ia acontecer?!” ‒ pergunta Ayizur, estupefata. “Você teve uma visão?”
“Sim, Mãe Akonū injetou a infusão em mim, pouco antes de partir para a caçada.” ‒ explica Dayad, ainda ofegante. “Mas isso não importa agora, Enā’y precisa de socorro imediato!”
“Eu posso ajudá-la.” ‒ intervém Perpetua.

Sunday, February 17, 2019

Capítulo 12: União

Dayad fecha os olhos com nojo e pavor de seu atacante, cujas mãos já quase tocam sua pele. Como se ele se alimentasse do medo, Paul sente cada vez mais prazer à medida que se aproxima, triunfante, diante de sua tão cobiçada presa. A ideia de ser violentada pelo assassino de sua amada e não poder fazer nada para impedir isso faz o corpo de Dayad estremecer com um sentimento inominável, que custa a arrefecer mesmo depois de ouvir o som de vidro se espatifando e o subsequente ruído de um corpo pesado caindo ao chão.


‒ Não tenha medo, pode abrir os olhos. ‒ diz Perpetua, jogando fora o que sobrou da garrafa de uísque de milho marciano que utilizou para nocautear seu irmão.
Dayad, ainda se refazendo do trauma, enxerga o corpo do reverendo no chão, com uma pequena poça de sangue escorrendo de sua cabeça, cacos de vidro por todos os lados e, finalmente, a alta e descolorida mulher que estava presa atrás da parede agora ali, em sua frente. Dayad já havia visto uma mulher marciana antes, mas, não assim, nua. O que mais chama sua atenção, entretanto, são os arranhões e hematomas na pele dela, dos quais sente uma estranha e irresistível vontade de cuidar. Perpetua, que nunca havia visto uma mulher tão diferente antes, se esforça para conter seu deslumbramento diante da beleza e da pequenez da estrangeira, a qual ela gostaria de aninhar em seu peito e levar para longe dali, onde ninguém possa lhe fazer mal.
‒ Deixe-me soltar essas amarras... ‒ diz a marciana, apanhando um caco de vidro no chão e avançando em direção a Dayad, que arregala os olhos, assustada.
Percebendo que a visitante não entende sua língua, ela mostra, através de gestos, que vai usar o caco para cortar as amarras. Dayad estende a mão, sem muita escolha. Em seguida, Perpetua liberta seus pés.
“Muito obrigada.” ‒ gesticula Dayad.
Entendendo o sentimento de gratidão mais pelo contexto do que pelos gestos, Perpetua faz sinal de espera e se agacha para retirar o aparelho de leitura de pensamentos usado por seu irmão.
“Você entende o que estou dizendo?” ‒ testa Perpetua.
“Sim! Então era assim que ele conseguia se comunicar conosco?” ‒ surpreende-se Dayad.
“É, meu irmão gosta de brincar de Deus, mas os poderes dele não passam de truques tecnológicos.” ‒ explica Perpetua.
Dayad se surpreende ao saber do grau de parentesco da dupla, mas depois de tudo o que viu, já nem fica tão intrigada.
“Obrigada por me libertar.” ‒ agradece Dayad.
“Eu que agradeço.” ‒ retruca a marciana. “Sem você para distraí-lo, eu não conseguiria emperrar a porta de vidro usando um dardo tranquilizante e acessar o mecanismo de abertura do lado de fora.”
“Fico feliz.” ‒ sorri a terráquea, ainda assimilando toda aquela informação nova. “Desculpe mudar de assunto, mas, você sabe onde ele prendeu minhas companheiras? Preciso encontrá-las e voltar para casa.”
Perpetua pensa um pouco e finalmente responde:
“Acredito que sim. Mas antes, precisamos de armas e roupas.”
“Roupas?”
“É, algo para nos vestir.” ‒ explica Perpetua, enquanto revista o cômodo.
“Vestir?”
Perpetua faz menção de tocar no leitor de pensamentos a fim de verificar se este está funcionando bem, mas se detém ao perceber que o aparelho funciona, suas palavras é que não fazem sentido para a terráquea.
“Você costuma andar assim como está agora, sem usar nada para cobrir o corpo, quando anda em meio ao seu povo?”
“Quase, mas também usamos adornos e pinturas. E você?”
“Que horror! Os homens de lá obrigam as mulheres a ficarem nuas também? Eu só estou nua agora porque meu irmão me manteve presa assim.”
“Homens? Homens não nos forçam a nada. Ninguém força ninguém a nada. Ouvi dizer que em alguns lugares as pessoas cobrem o corpo por causa do frio, mas, na nossa terra, andamos assim normalmente.”
“Que estranho...”
“Mas, por que ele manteve você presa?”
“É uma longa história, eu lhe conto depois.”
Perpetua encontra um de seus antigos vestidos e, atrás de um compartimento secreto, armas e um escudo antilaser.
“Você sabe atirar com uma destas?” ‒ pergunta a marciana, oferecendo-lhe uma pistola a laser.
Dayad anui e as duas partem para o elevador, através do qual chegam ao Inferno, como é carinhosamente chamada pelos marcianos a prisão localizada no subterrâneo da igreja.  Antes mesmo que a dupla alcance a cela, um alarme soa.
“O que é isso?” ‒ espanta-se Dayad.
“Droga! Fomos identificadas!” ‒ responde Perpetua, olhando para todos os cantos até encontrar e alvejar a câmera que as flagrou. “Depressa, por aqui!”
Perpetua agarra Dayad pela mão e avança pelo corredor o mais rápido que pode, mas, para sua surpresa, sua companheira arranca com uma velocidade sobre-humana e a arrasta consigo.
“Calma! Aqui... aqui estamos!” ‒ “grita” a marciana, espantada.
Dayad freia e finalmente se depara com suas companheiras.
‒ Dayad! ‒ alegra-se o trio, deixando o nervosismo causado pelo estranho ruído do alarme de lado, ao ver que sua companheira está bem.
“Então esse é o seu nome?” ‒ infere Perpetua, chegando logo depois, para espanto das terráqueas.
“Sim, e estas são Enā’y, Ayizur e Iouria.” ‒ aponta Dayad para as três.
‒ Ela passou para o outro lado! ‒ exclama Iouria, estupefato.
‒ Não diga bobagem! ‒ retruca Enā’y, confiante na amiga ainda que a situação, de fato, lhe pareça estranha.
“Nós viemos libertar vocês!” ‒ anuncia Dayad, disparando contra a fechadura eletrônica da cela, em seguida.
Aliviado, o trio deixa o cubículo e se aproxima com cautela, feliz de rever Dayad, mas apreensivo diante da marciana.
‒ Quem é ela? ‒ pergunta Enā’y.
“Ela também estava presa, assim como vocês, e vai nos ajudar a achar as outras e ir embora daqui. Vamos!”
O grupo rapidamente sobe de elevador até a nave da igreja, no térreo, de onde Perpetua almeja sair pela porta de emergência, a fim de evitar encontrar os guardas do lado de fora. Para sua surpresa, entretanto, um rosto familiar antecipa seus passos.
‒ Simon!?
‒ Abaixem as armas! ‒ ordena o servo do reverendo, acompanhado de dois guardas humanos e um estranho androide, cuja aparência lembra um robusto cavaleiro medieval.
‒ Seu mestre está morto, agora você deve lealdade a mim! ‒ exclama Perpetua, sem tirar o dedo do botão que aciona a pistola.
‒ Assassina! ‒ dispara Simon, enfurecido. ‒ Nunca servirei a uma mulher, ainda mais a uma traidora, fratricida!
Perpetua se defende dos disparos usando seu escudo, enquanto Dayad revida e atira contra os inimigos. Enā’y, Ayizur e Iouria se escondem atrás dos assentos da igreja, sem saber o que fazer. Ambos os lados se entrincheiram ao redor do altar, até que o androide, para o espanto do lado terráqueo, levanta voo e começa a disparar do alto.
‒ Droga! ‒ exclama Perpetua, atirando no androide, que desvia dos disparos com surpreendente agilidade.
“O que é aquilo?!” ‒ pergunta Dayad, assustada.
“É um protótipo da próxima geração de guardas robóticos que o meu irmão vinha desenvolvendo.” ‒ explica Perpetua, defendendo-se dos disparos, cada vez mais frequentes e perigosos.
‒ Desista, Perpetua, vocês não têm outra escolha a não ser se render! ‒ grita Simon, sorrateiramente jogando uma granada elétrica contra o grupo, tal como aquela que usou antes para imobilizar as fugitivas.
Dayad percebe a pequena esfera metálica rolando pelo chão e, rapidamente, a arremessa de volta para os marcianos, eletrocutando-os no ato. 
“Ótimo! Agora só temos que nos livrar desse androide!”
Mal Perpetua tem tempo de se alegrar quando um disparo acerta seu braço direito. Dayad, desesperada, dispara furiosamente contra o inimigo, que se aproxima cada vez mais à medida que desvia dos tiros. O androide se prepara para sua derradeira investida, quando, de repente, é acertado em pleno ar por um pesado assento de pedra e se espatifa contra parede, derrubando junto consigo a pesada cruz que coroa o altar. Dayad e Perpetua olham para a direção de onde o assento foi lançado e se deparam com o trio terráqueo ainda ofegante após o esforço monumental.
“Essa coisa deve pesar toneladas! Como vocês fizeram isso?!” ‒ impressiona-se Perpetua, comunicando-se mentalmente com o grupo.
‒ Vocês ouviram? Ela também mexe com as nossas cabeças! ‒ irrita-se Enā’y, de dedo em riste.
“Calma, ela pode explicar!” ‒ apressa-se a marciana em retirar o leitor de mentes de suas têmporas e colocá-lo na cabeça de Dayad.
“Era com isso que aquele sujeito conseguia entrar nas nossas cabeças.” ‒ explica Dayad. “Mas ela acabou com ele e salvou minha vida. Graças a essa invenção nós podemos nos comunicar.”
Agora é Enā’y que emudece ao ouvir a voz da amiga depois de tantos anos.
“Incrível!” ‒ exclama Iouria.
Ayizur, igualmente impressionada, contudo, nota algo que chama ainda mais sua atenção:
‒ Aquele símbolo... Vocês também já o haviam visto antes, não?
“Sim... O símbolo dos mortos. Existem campos inteiros cheios deles. Ioṣū dizia que esse símbolo levou à destruição de incontáveis povos.”
“É verdade! E onde está ela?” ‒ indaga Enā’y.
Dayad olha para a amiga e desaba em prantos.
Perpetua, que acaba de improvisar um curativo com uma tira de seu vestido, a fim de conter o sangramento em seu braço, sente a tristeza de Dayad como se esta também fosse transmitida mentalmente. Enā’y abraça a amiga, consolando-a.
“Mas, afinal de contas, onde estamos? Quem são vocês e por que nos trouxeram aqui?” ‒ pergunta Iouria, intrigado.
Os rostos terráqueos se viram para a marciana, como se ela fosse a resposta em pessoa. Perpetua suspira e coça a cabeça, sem saber por onde começar...

Índice

Dedicatória / Aviso Capítulo 1: Sono eterno     Capítulo 2: O banquete     Capítulo 3: Um povo sem nome     Capítulo 4: Pr...